Para os agricultores que vivem nas regiões mais frias de Santa Catarina, tarefas simples como tomar banho e lavar a louça podem se tornar um sacrifício no inverno. Com geada e até neve na paisagem que se vê através da janela, dentro de casa a água dos canos chega a congelar. Na maior parte dessas residências, o fogão a lenha é a única fonte de calor – e foi nele que o catarinense José Alcino Alano, eletricista aposentado, encontrou uma solução para melhorar o conforto dessas famílias.
Alano conta que a ideia surgiu durante uma viagem a trabalho, quando ele e um colega passavam por São Joaquim e Bom Jardim da Serra. “Chamou-me a atenção a grande quantidade de chaminés fumegando. Sabedor dos problemas que ocorrem com os aquecedores solares populares nessas regiões frias, de congelamento, vazamento e baixo rendimento, comentei com meu colega a possibilidade de desenvolver um equipamento que aproveitasse o calor emanado da chaminé sem aumentar o consumo de lenha. Chegando a Tubarão, onde resido, coloquei em prática a ideia”, conta.
O sistema utiliza um trocador de calor, que possibilita aquecer a água do chuveiro e das torneiras da cozinha e do tanque aproveitando parte do calor desperdiçado pela chaminé. “Essa invenção reduz o gasto de energia nas residências rurais, aproveitando o excedente do fogão a lenha sem usar uma nova fonte, e, ao mesmo tempo, humaniza o trabalho doméstico e dá conforto para o banho no inverno”, destaca Bernardete Panceri, responsável pela área de educação ambiental da Epagri.
Fumaça que aquece
O conjunto é composto por uma peça de inox que é encaixada no cano do fogão – o trocador de calor –, um boiler (reservatório térmico), além de chuveiro, misturador de água e canos e conexões para água quente.
O trocador de calor é encaixado no primeiro metro da chaminé, logo acima do fogão. Ele é composto por dois tubos, um dentro do outro. No tubo interno, de diâmetro menor, passa a fumaça. Entre ele e o tubo mais largo fica um vão, a câmara onde circula a água para ser aquecida e retornar ao boiler por convecção térmica natural. Dentro da chaminé ainda há um difusor para forçar a fumaça para as laterais internas da câmara de água, potencializando o processo de aquecimento.
O boiler é instalado no forro da casa, próximo da caixa d’água. “A água entra no trocador, esquenta e retorna para o boiler, que mantém a temperatura. Como, pela diferença de densidade, a água quente sobe e a fria desce, ela fica circulando pelo sistema enquanto houver fogo no fogão. Quanto mais tempo o fogão ficar aceso, mais vezes a água vai passar pelo trocador e mais vai se aquecer”, explica Bernardete. A água alcança até 60°C e, do boiler, sai para o chuveiro e as torneiras.
O sistema é capaz de atender uma família de quatro pessoas e armazena até 200 litros de água, garantindo uma redução de aproximadamente 30% no consumo de energia elétrica, dependendo do tempo de uso.
Projeto leva conforto às famílias rurais
Essa tecnologia social já foi instalada em 200 propriedades rurais de 34 municípios catarinenses nas regiões de Lages, São Joaquim, Canoinhas, Mafra, Caçador, Curitibanos, Videira e Campos Novos. As famílias foram beneficiadas pelo projeto Banho de Energia, fruto de uma parceria firmada em 2011 entre as Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), a Epagri e o Fundo de Desenvolvimento Rural (FDR), da Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca.
O custo de cada kit foi de aproximadamente R$1,8 mil. Com o objetivo de reduzir as dificuldades dos agricultores de baixa renda que residem nas regiões mais frias do Estado, a Celesc subsidiou 80% do custo do equipamento, e os 20% restantes foram financiados pelo FDR para pagamento sem juros e parcelado em cinco anos. A escolha das regiões atendidas foi feita levando em consideração a intensidade do frio e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Para difundir a tecnologia, a Epagri capacitou técnicos, realizou palestras e oficinas e acompanhou e orientou a instalação dos sistemas nas propriedades. Também elaborou os projetos para o FDR, permitindo o acesso dos agricultores aos recursos.
Nas casas em que a novidade foi instalada, tomar banho e lavar louça deixou de ser um tormento. Em muitas residências, a conta de luz caiu pela metade. “O sistema reduziu o consumo de energia, e as mulheres ficaram muito satisfeitas em ter água quente na pia da cozinha e no tanque”, conta Bernardete Panceri.
Embora tenha feito sucesso e despertado o interesse de outras famílias de agricultores, o projeto aguarda novos convênios para ser retomado. “Dependemos dos convênios para viabilizar a todos os interessados o kit instalado, com a qualidade que priorizamos e a um preço justo”, explica José Alcino Alano, que detém a patente do equipamento. Os interessados podem entrar em contato pelo e-mail O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. ou pelo telefone (48) 3622-2116.
Matéria produzida por Cinthia Andruchak Freitas, Epagri/GMC, para a revista Agropecuária Catarinense de novembro/2014.
Foto: Aires Carmem Mariga